terça-feira, 12 de abril de 2016

A semana - Machado de Assis




Falei de esquisitices. Aqui está uma, que prova ao mesmo tempo a capacidade política deste povo e a grande observação dos seus legisladores.  Refiro-me ao processo eleitoral. Assisti a uma eleição que aqui se fez em fins de novembro. Como em toda a parte, este povo andou em busca da verdade eleitoral. Reformou muito e sempre; esbarrava-se,  porém, diante de vícios e paixões, que as leis não podem eliminar. Vários processos foram experimentados, todos deixados ao cabo de alguns anos. É curioso que alguns deles coincidissem com os nossos de um e de outro mundo. Os males não eram gerais, mas eram grandes. Havia eleições boas e pacíficas, mas a violência, a corrupção e a fraude  inutilizavam em algumas partes as leis e os esforços leais dos governos. Votos vendidos, votos inventados, votos destruídos, era difícil alcançar que todas as eleições fossem puras e seguras. Para a violência havia aqui uma classe de homens, felizmente extinta, a que chamam pela língua do país, kapangas ou kapengas. Eram esbirros particulares, assalariados para amedrontar os eleitores e, quando fosse preciso, quebrar as urnas e as cabeças. Às vezes quebravam só as cabeças e metiam nas urnas maços de cédulas. Estas  cédulas eram depois apuradas com as outras, pela razão especiosa de que mais valia atribuir a um candidato algum pequeno saldo de votos que tirar-lhe os que deveras lhe foram  dados pela vontade soberana do país. A corrupção era menor que a fraude; mas a fraude tinha todas as formas. Enfim, muitos eleitores, tomados de susto ou de descrença, não  acudiam às urnas.

Machado de Assis. A semana. Obra completa, v. III. Rio de Janeiro: Aguilar, 1973, p. 757.
                                    
                                                      
                                              Compreendendo o texto:


Após o termo “uma” , subentende-se a elipse da palavra esquisitice.

Em “esbarrava-se” , o termo “se” indica indeterminação do sujeito.

O emprego da vírgula após “paixões”  justifica-se porque a oração subseqüente é explicativa.

A reiteração da palavra “votos”  confere ênfase à idéia apresentada no período.

 Pelos sentidos do texto, conclui-se que a palavra “esbirros”  está sendo empregada com o mesmo significado que tem atualmente a palavra capanga.


 A expressão “lhe foram dados”  pode, sem prejuízo para a correção gramatical do período, ser substituída por foram dados a ele.


Voto e dinheiro, no Brasil e em muitas partes do mundo,são irmãos há muito tempo.  Apesar dessa tensão,o processo eleitoral no Brasil apresenta aperfeiçoamento,no campo da modernização eletrônica,que o distinguem dos procedimentos de várias democracias tradicionais,que ainda computam votos por via de sistema de urnas manuais.

Considerado um dos maiores nomes da literatura nacional. Machado de Assis é louvado pela maneira perspicaz e crítica com que analisa comportamentos humanos. 

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839,no rio de Janeiro. Neto de escravos alforriados,contava com a proteção de uma madrinha muito rica,dona da Chácara do Livramento. De saúde frágil,epilético,gago,sabe-se pouco de sua infância e início da juventude,além do fato de ter perdido a irmã aos seis anos e a mãe,aos dez. Seu pai casou-se de novo. Aos 14 anos,com a morte do pai,ajudava a madrasta a vender doces para sustentar a casa.

Mesmo sem ter acesso a cursos regulares,empenhou-se em aprender. 

Foi caixeiro de livraria,tipógrafo,revisor,antes de ser jornalista e cronista. 

Em 1855,publicou a poesia ''A Palmeira'', no Marmota Fluminense,jornal editado numa livraria que se transformara em ponto de encontro dos escritores da época. Em 1860,a convite de Quintino Bocaiúva, passou a fazer parte da redação do jornal Diário do Rio de Janeiro. Mas,para garantir o sustento,assumiu um emprego público,ascendendo na carreira burocrática paralelamente a sua consagração como escritor.

Em 1904,a morte de sua mulher e companheira de 35 anos deixa o escritor mergulhado na amargura. Machado de Assis faleceu em 1908,também no Rio de Janeiro.




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