quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

A importância da reflexibilidade no processo de formação docente - Guiomar Namo de Mello - parte 1



A importância da reflexibilidade no processo de formação docente pode ser compreendida como forma de superar um modelo de formação com ênfase na racionalidade técnica que tem caracterizado a formação de professores, também no Brasil. Este é um princípio que tem aparecido com algum destaque nos documentos que circulam no meio educacional, propondo mudanças na formação docente. No entanto, Dias e Lopes (2003) defendem que a formação docente por competências, da forma que tem sido proposta e implementada nas reformas curriculares voltadas para a formação do professor, acaba por reforçar o modelo da racionalidade técnica. Isso dificulta as possibilidades do professor refletir na e sobre a ação docente, entendida a reflexão como uma condição essencial para o exercício da docência como compromisso político.

Compreender como uma pessoa, em especial, o professor, formou-se, é encontrar relações entre a pluralidade de suas trocas e vivências internas ou externas nos diversos momentos de sua vida. Além disso, compreende-se que essa formação está diretamente relacionada à construção da identidade do ser professor e, portanto, de si mesmo, na qual o desenvolvimento dos significados e valores se transforma ao longo de toda a trajetória de formação pessoal e profissional.




“Para que professores numa sociedade que, há muito, superou não apenas a importância deles na formação das crianças e dos jovens, mas que também é muito mais ágil e eficaz em trabalhar as informações? Contrapondo-me a essa corrente de desvalorização profissional do professor e às concepções que o consideram como simples técnico reprodutor de conhecimentos e / ou monitor de programas pré-elaborados, tenho investido na formação de professores entendendo que, na sociedade contemporânea, cada vez se torna mais necessário o seu trabalho como mediação nos processos constitutivos da cidadania dos alunos, para o que concorre a superação do fracasso e das desigualdades escolares. O que, parece-se, impõe a necessidade de repensar a formação de professores” ( PIMENTA, 2005, p. 161).

No caso da educação escolar, constatamos no mundo contemporâneo que, ao crescimento quantitativo dos sistemas de ensino, não tem correspondido um resultado formativo (qualitativo) adequado às exigências da população envolvida e às exigências das demandas sociais. O que coloca a importância de definir a nova identidade profissional do professor. Que professor se faz necessário para as necessidades formativas em uma escola que colabore para os processos emancipatórios da população? Que opere o ensino no sentido de incorporar as crianças e os jovens no processo civilizatório com seus avanços e seus problemas?” (PIMENTA, 2005, p. 164-165). 

Possibilitar aos alunos dos cursos de formação de professores o reconhecimento de que, para saber ensinar, não bastam a experiência e os conhecimentos específicos, fazendo-se necessários os saberes pedagógicos e didáticos.  Os alunos dos cursos de formação de professores devem desenvolver conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que possibilitem a construção permanente dos saberes-fazeres docentes, com base nas necessidades e desafios que o ensino lhes coloca no cotidiano.  Colaborar com os alunos dos cursos de formação de professores para a construção da sua identidade de professor, considerando, para tanto, que apenas os saberes da experiência não bastam.

“A concepção de ensino e as práticas realizadas pelo professor certamente terão de ser diferenciadas conforme os objetivos se direcionem à internalização ou a conscientização. Isto significa ter uma concepção nova da relação existente entre o sujeito socialmente situado e o conhecimento. Significa entender que aprender não é estar em atitude contemplativa ou absorvente, frente aos dados culturais da sociedade, e sim estar ativamente envolvido na interpretação e produção destes dados” (CUNHA, 1989, p.31). 

“(...) Muitas vezes, a conduta dos professores não está comprometida com a perspectiva de um efetivo interesse na aprendizagem e desenvolvimento dos educandos. Muitos docentes cumprem o seu papel mecanicamente, sem investir o necessário para que os resultados de sua atividade sejam significativos. O cumprimento mecânico da atividade docente serve muito pouco para uma efetiva aprendizagem e o consequente desenvolvimento do educando”(LUCKESI, 2002, p. 122). 

É papel do professor alicerçar sua ação docente na competência técnica, na competência teórica e no compromisso político, pois, ao tratar sua atividade apenas como mercadoria, pouco contribuirá para a elevação cultural dos educandos.

Uma educação de qualidade será efetivada se o seu processo de implementação for organizado política e pedagogicamente para enfrentar, de forma satisfatória, as necessidades da população, visando a um efetivo exercício da cidadania.  O produto final da educação não interessa apenas aos processos produtivos capitalistas e às políticas liberais e neoliberais. Pelo contrário, deve preparar os educandos para que façam frente às imposições daí derivadas.  Uma opção metodológica comprometida com a educação de qualidade não pode ignorar as relações entre o método e uma abordagem dialética do processo de ensino-aprendizagem, correndo-se o risco de ignorar, também, as conexões requeridas entre o método e os objetivos reais da educação.


“Valorizar a prática não leva a qualquer prática. A prática aqui buscada é aquela contextualizada pela teoria, de um lado, e pela pesquisa/ensino/extensão, de outro. Ou seja, toda prática deve estar relacionada com a formação acadêmica, para começar; em seguida, deve estar relacionada com o desdobramento da cidadania, e, mesmo nesse espaço, não cabe qualquer cidadania, mas aquela referida ao processo de formação, quer dizer isso: não desvinculada da qualidade formal” (p. 101). 

Demo (2006) discute a prática de pesquisa como princípio educativo, defendendo a perspectiva de união indissolúvel entre teoria/prática. De acordo com a visão do autor,  a prática da pesquisa tem papel fundamental de  confronto e fecundação teórica.

“(...) A educação não é apenas um processo institucional e instrucional, seu lado visível, mas fundamentalmente um investimento formativo do humano, seja na particularidade da relação pedagógica pessoal, seja no âmbito da relação social coletiva. Por isso, a interação docente é considerada mediação universal e insubstituível dessa formação, tendo-se em vista a condição da educabilidade do homem”.   As propostas progressistas não se orientam somente em direção à democratização das oportunidades de ensino, mas também supõem que o próprio trabalho exercido na escola não deva ser autoritário.  O professor deve estar sempre preocupado em partir de onde o aluno se encontra e deve ter a sensibilidade de não desmerecer sua visão de mundo e suas necessidades fundamentais e visando à superação do individualismo, são estimulados os trabalhos em grupo e as decisões coletivas a partir do diálogo e da co- responsabilidade.

“A desmistificação mais fundamental, porém, está na crítica à separação artificial entre ensino e pesquisa. (...) Assim, desmistificar a pesquisa há de significar também o reconhecimento da sua imisção natural na prática, para além de todas as virtudes teóricas, em particular da sua conexão necessária com a socialização do conhecimento. Quem ensina carece pesquisar; quem pesquisa carece ensinar. (...) Pesquisa é processo que deve aparecer em todo trajeto educativo, como princípio educativo que é, na base de qualquer proposta emancipatória. (...) Desmistificar a pesquisa há de significar, então, a superação de condições atuais da reprodução do discípulo, comandadas por um professor que nunca ultrapassou a condição de aluno” (p. 12-17). 

“A ação de planejar não pode ser encarada como uma atividade neutra, desvinculada da realidade sócio-histórica. O planejamento do ensino é um processo que envolve discussões e questões, muitas vezes esquecidas no dia-a-dia docente, como as finalidades da educação, os princípios que fundamentam o projeto pedagógico da escola, seus objetivos e os compromissos dos professores com essas definições” (p.64). 

“A questão primordial que hoje se coloca para a metodologia do ensino é a da superação do apriorismo e do dogmatismo metódico reinante na prática pedagógica, cuja organização não é realizada a partir dos diferentes grupos sociais que hoje frequentam a escola brasileira.(...) Assim, um dos desafios didáticos do momento atual é o da concepção de uma metodologia de ensino que minimize as discriminações sociais, geradas fora da escola, porém refletidas e expressadas na escola por aqueles que dela participam” (p. 99-100). 

“A tendência habitual de situar os diferentes conteúdos de aprendizagem sob a perspectiva disciplinar tem feito com que a aproximação à aprendizagem se realize segundo eles pertençam à disciplina ou à área: matemática, língua, música, geografia, etc., criando, ao mesmo tempo, certas didáticas específicas de cada matéria. Se mudamos de ponto de vista e, em vez de nos fixar na classificação tradicional dos conteúdos por matéria, consideramo-los segundo a tipologia conceitual, procedimental e atitudinal, poderemos ver que existe uma maior semelhança na forma de aprendêlos e, portanto, de ensiná-los, pelo fato de serem conceitos, fatos, métodos, procedimentos, atitudes, etc., e não pelo fato de estarem adstritos a uma ou outra disciplina.” (p.41) 


“Mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma presença no mundo, com o mundo e com os outros. Presença que, reconhecendo a outra presença como um ‘não-eu’ se reconhece como ‘si própria’. Presença que se pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, que transforma, que fala do que faz, mas também do que sonha, que constata, compara, avalia, valora, que decide, que rompe. E é no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A ética se torna inevitável e sua transgressão possível é um desvalor, jamais uma virtude” (p. 20). 

A ação docente encontra grandes desafios em relação ao processo de ensino-aprendizagem e a construção de uma escola comprometida com a transformação. Analise as proposições a seguir, considerando a forma como se caracterizam as tarefas de uma escola pública, democrática e de qualidade, segundo Libâneo (2000).

Proporcionar a todas as crianças e jovens a escolarização básica e gratuita, assegurando a todos as condições de assimilação dos conhecimentos sistematizados e a cada um o desenvolvimento de suas capacidades físicas e intelectuais.  Assegurar a transmissão e assimilação dos conhecimentos e habilidades que constituem as matérias de ensino.  Assegurar o desenvolvimento das capacidades e habilidades intelectuais, sobre a base dos conhecimentos científicos, que formem o pensamento crítico e independente, permitam o domínio de métodos e técnicas do trabalho intelectual, bem como a aplicação prática dos conhecimentos na vida escolar e na prática social.  Assegurar uma organização interna da escola em que os processos de gestão e administração e os de participação democrática de todos os elementos envolvidos na vida escolar estejam voltados para o atendimento da função básica da escola, o processo de ensino/aprendizagem.

O Brasil é um país multiétnico e pluricultural, portanto, todos devem ser incluídos, e ter garantido o direito de aprender e de desenvolver conhecimentos, sem precisar negar a sua identidade, nem a sua ascendência étnico/racial. Uma análise cuidadosa à luz “História e Cultura Afro Brasileira e Africana” permite afirmar que essa inclusão em prática de maneira decidida e apropriada no cotidiano da vida escolar, certamente, estaremos trabalhando com indicadores da qualidade da educação, considerando a pluralidade étnica e as  características regionais que fazem parte da realidade brasileira. 

“Ensinar requer a plena convicção de que a transformação é possível porque a história deve ser encarada como uma possibilidade e não como um determinismo moldado, pronto e inalterável. Para isso é preciso desnaturalizar, tornar evidente as contradições e fazer este exercício de estranhamento é um dado decisivo no processo de conhecimento de nossa própria  cultura.  (...) Conhecimento é poder, poder de questionar os discursos dominantes”. Sobre o contexto enunciado, considerando a importância do “Processo Ensino-aprendizagem de Educação”, o educador não pode ver a prática educativa como algo sem importância, ao contrário, ele deve sempre perseguir um constante processo de reafirmação dos valores da educação e  o educador não deve barrar a curiosidade do aluno, pois é de fundamental relevância o incentivo à sua imaginação, intuição, senso investigativo, enfim, sua capacidade de ir além. No Processo didático-pedagógico de ensinar e aprender, o professor deve observar hábitos e atitudes prejudiciais ao trabalho docente, evitando tudo que possa prejudicar o andamento do próprio processo e, consequentemente, o aproveitamento dos discentes.

Estamos diante de uma sociedade exclusiva na qual o racismo, o sexismo e o preconceito contra pessoas com deficiência permeiam práticas e discursos. Isto leva os professores de classes regulares a representarem a inclusão de forma confusa, chegando até a serem reforçados preconceitos; assim na escola, a ideia de deficiência acaba por sobrepujar as “necessidades educativas” de cada aluno. O que garante para um aluno com deficiência a Inclusão Escolar o direito de participar e de serem considerados membros ativos no interior da comunidade escolar.








BIBLIOGRAFIA:


FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

ZABALA, Antoni. Prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. 


VEIGA, Ilma Passos Alencastro (coord.). Repensando a Didática. 27ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2004


VEIGA, Ilma Passos Alencastro (coord.). Repensando a Didática. 27 ed. Campinas, SP: Papirus, 2004


DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 12 ed.São Paulo: Cortez, 2006


SEVERINO, Antônio Joaquim. A busca do sentido da formação humana: tarefa da Filosofia da Educação. Educ. e Pesquisa. vol. 32 no.3 São Paulo Set./Dez. 2006


DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2003.


LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da Aprendizagem Escolar. 13 ed. São Paulo: Cortez, 2002. 


CUNHA, Maria Isabel da. O bom professor e sua prática. Campinas, SP: Papirus, 1989. 


 PIMENTA, Selma Garrido. Formação de professores: saberes da docência e identidade do professor. In: FAZENDA, Ivani (Org.). Didática e interdisciplinaridade. 10 ed. Campinas, SP: Papirus, 2005, p. 161-178. 

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